A Linha dos Caboclos Quimbandeiros e sua ligação com o Catimbó

A Linha dos Caboclos Quimbandeiros é uma das mais profundamente ligadas ao Catimbó — tradição espiritual de raízes indígenas e afro-brasileiras. Não é por acaso que muitas cantigas, lendas e fundamentos demonstram essa forte aproximação entre as duas práticas.

Essa linha é formada por espíritos de antigos índios americanos que, em vida, foram grandes feiticeiros, curadores e guerreiros. São reconhecidos por seu vasto conhecimento sobre a medicina da floresta e os mistérios que envolvem as ervas, as pedras e os elementos naturais das matas.

 

Imagem: Lokis Gezüch – Emil Doepler.

Um sonho e a revelação simbólica

Em 2017, enquanto criava conteúdos sobre os Exus que compõem essa linha, tive um sonho marcante. Nele, atravessava um povoado de guerreiros indígenas quando, de uma grande árvore, descia uma serpente idêntica à da imagem acima.

O curioso é que, tanto eu quanto os indígenas do sonho, saudavam e reverenciavam a serpente como uma divindade. Mais tarde, ao pesquisar sobre o animal, descobri que era a cobra-cainana — exatamente igual à vista em sonho. O episódio foi interpretado como um sinal da presença de um espírito encantado da floresta, identificado com as entidades conhecidas como Exu Cainana e Exu Cobra, entre outros nomes ligados aos elementos naturais.

 

Vozes ancestrais e mistérios das matas

Muitos espíritos dessa linha apresentam voz grave e gutural durante as manifestações espirituais. Quando incorporados em médiuns, é comum misturarem palavras em línguas nativas com o português regional. São entidades reservadas, que não gostam de ser observadas de perto e evitam o uso de palavreado vulgar, preservando uma postura respeitosa e serena.

Existe um equívoco frequente entre os iniciantes: acreditar que entidades com nomes de animais são literalmente representações dessas criaturas. Na verdade, os nomes expressam a ligação espiritual e simbólica com o animal, refletindo seu comportamento, poder e essência. Exemplos dessa simbologia são Exu Pantera Negra, Exu Cobra e Exu Cainana.

Essas entidades são consideradas especialistas em trabalhos de cura, proteção e desobsessão espiritual, atuando na defesa dos caminhos e na restauração da harmonia entre corpo e espírito.

Entidades que compõem a Linha dos Caboclos Quimbandeiros

A seguir, a descrição das principais entidades que integram essa poderosa corrente espiritual dentro da Kimbanda:

 

• Exu Pantera Negra (Chefe da Linha)

Símbolo de força e justiça, está ligado às guerras espirituais e à disciplina. Na Linha dos Caboclos, é uma entidade extremamente respeitada. Muitos de seus subordinados aceitam oferendas semelhantes às de seu chefe, que valoriza a retidão e o equilíbrio entre o bem e o rigor.

 

• Exu Sete Cachoeiras

Conhecido cabalisticamente como Khil, é o quarto comandado do Exu Calunga. Sua atuação é associada às forças das águas e das cachoeiras, e acredita-se que seja responsável por abalos sísmicos no plano espiritual. Aprecia charutos pretos e tem como oferenda favorita a galinha-d’angola recheada com farofa de azeite-de-dendê.

 

• Exu Tronqueira

De nome cabalístico Clistheret, é o sexto comandado do Exu Calunga. Atua como guardião das estradas e dos caminhos, protegendo fronteiras espirituais e físicas. É conhecido por influenciar a troca do dia pela noite, especialmente entre jogadores e boêmios. Dentro da Kimbanda, é invocado para proteger terreiros e templos.

 

• Exu das Sete Poeiras

Cabalisticamente chamado Silcharde, ocupa o sétimo posto sob o comando de Exu Calunga. Seu poder desperta a imaginação e conduz visões espirituais relacionadas aos reinos animais. É o guardião das trilhas, matas e becos, e manifesta-se como um duende de roupagem cinza-escuro.

 

• Exu das Matas

Possui o nome cabalístico Hicpacth e ocupa o nono lugar entre os comandados de Exu Calunga. Atua nos trabalhos realizados nas matas e é procurado em casos amorosos, especialmente quando se deseja o retorno de uma pessoa amada. Está intimamente ligado à natureza e às forças da terra.

 

• Exu das Sete Pedras

Conhecido pelo nome cabalístico Humots, é o décimo comandado do Exu Calunga. Considerado um grande mago da magia universal, é responsável por conhecimentos ligados à Alta Magia, aos tarôs, signos zodiacais, calendários esotéricos, numerologia e simbologias ocultas. Possui grande poder de transmissão e comunicação espiritual.

 

• Exu do Cheiro (ou Exu Cheiroso)

Seu nome cabalístico é Aglasis, e ele comanda uma falange composta por mais de 49 Exus. Seu nome vem da forma singular como se manifesta, exalando aromas agradáveis ou desagradáveis, conforme o tipo de trabalho realizado. Costuma se apresentar em forma humana, envolto por uma camada fluídica. Pertence à Linha de Omolu e é supervisionado por Exu Caveira. Recebe oferendas preferencialmente em jardins ou locais floridos.

• Exu Pedra Negra

De nome cabalístico Claunech, é o sexto comandado de Exu Calunga (Sirach). Aparece sob a forma de um cavalheiro elegante e atua especialmente em questões financeiras, sendo protetor da riqueza e dos que enfrentam dificuldades econômicas. Também é conhecido por ajudar na descoberta de tesouros ocultos. Em oferendas, aprecia vinhos tintos com mel e frutas escuras, como o jamelão.

 

• Pomba Gira da Figueira

Esta entidade lidera uma legião de espíritos femininos antigos, que viveram há milênios na Terra e alcançaram alto grau de discernimento espiritual. É considerada a protetora das raízes do culto, responsável por zelar pela tradição e pela força ancestral feminina dentro da Kimbanda.

Conclusão

A Linha dos Caboclos Quimbandeiros representa um elo profundo entre a espiritualidade ancestral, a força da natureza e a sabedoria mística. Suas entidades refletem o equilíbrio entre poder e serenidade, conhecimento e mistério, reafirmando o papel dos povos indígenas e afro-brasileiros na formação das tradições espirituais do país.